MONSTER

Cartaz do filme MONSTER

Opinião

Um dia, Yûji Sakamato ficou irritado enquanto dirigia. O carro à sua frente não andava e ele buzinou impaciente. Foi quando percebeu o que acontecia: havia um cadeirante atravessando na faixa de pedestres e, de onde Sakamoto estava, não podia avistá-lo. A partir dessa experiência nasce MONSTER pela lente sempre sensível e poética de Kore-eda Hirokazu. Um filme que fala desta visão limitada que temos de tantas coisas e das atitudes precipitadas que tomamos levando em conta um só ponto de vista.

Pra construir essa noção, o roteiro divide a história em três atos. O primeiro conta o ponto de vista de Saori, uma mãe que percebe que seu filho chega estranho da escola. Há queixas contra um professor e ela vai questionar a coordenação, que se mostra indiferente e evasiva. Tudo indica que houve abuso e bullying, mas só até o segundo ato começar. O ponto de vista muda, vemos a história acontecer sob o olhar do professor Hori e, depois, do menino Minato. O convite para o espectador é claro: a cada cena, desconstrua tudo aquilo que você imaginou, porque há algo mais acontecendo que você não foi capaz de enxergar.

Em tempos de verdades inventadas e apurações vazias, MONSTER lida com a questão das instituições que, na tentativa de preservar sua imagem, colocam panos quentes em tudo. Mesmo se compromete a saúde mental de alguém. Saori e Hori precisam montar o quebra-cabeça pra tentar entender o que se passa com Minato, que vê no amigo Yori uma possibilidade de afeto. Uma amizade que transcende a vida prática da escola, que encontra refúgio, inclusive na brincadeira de se imaginar reencarnando em forma de animal. Fugir deste mundo intolerante e prestes a explodir é a solução pra quem deseja ser feliz, já que a felicidade deveria ser um direito de todos, com o bem diz a diretora da escola. Se não é assim, o mundo é um absurdo.

O título sugere que exista um monstro em algum lugar e a pergunta que não quer calar nesta história é: afinal, quem é ele? Os personagens se perguntam, mas fique tranquilo porque nem eles têm a resposta. Eita Nagayama, que faz o papel do professor, disse na coletiva de Cannes que todas as respostas são certas. Pode ser um monstro interior ou exterior; pode ser o que o espectador quiser. O importante é identificá-lo, porque ele está está solto por gerando angústia e infelicidade. Arrebatador.

MONSTER levou o Palma de Ouro de roteiro em Cannes em 2023.

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