ILHA DOS CACHORROS – Isle of Dogs

Cartaz do filme ILHA DOS CACHORROS – Isle of Dogs

Opinião

Ilha dos Cachorros é sobre a aventura dos cães banidos por um prefeito autoritário no Japão do futuro, que vão parar num lixão, reservado só pra eles. Vira-latas e cães de estimação passam a viver juntos na dureza da vida sem dono, até que um garoto aterrisa por lá à procura do seu pet – como eles chamam. E todos reviram a ilha buscando Spots, vagando pela minuciosa e preciosa ambientação que o diretor Wes Anderson cria – que é quase inacreditável de tão linda, diga-se de passagem.

Dito isso, vamos ao filme. Sim, a aventura é só pano de fundo pra diversas questões detalhadamente pensadas por Anderson e seus colaboradores japoneses. A crítica é explícita contra governos ditatoriais, intolerantes; fala das hierarquias sociais, da luta do bem contra o mal, da união que faz a força, valoriza a diferença. Mas essencialmente fala da linguagem e deixa bem claro, quando paramos pra pensar sobre os indícios que ele vai deixando na narrativa, que Ilha dos Cachorros só é totalmente acessível aos espectadores japoneses – o que tira, dos americanos, a supremacia da língua inglesa, deixando bem evidente que outras culturas existem, têm identidade mesmo sem a aprovação dos Estados Unidos.

Isso porque, logo de cara já sabemos que as falas dos atores japoneses não serão legendadas; serão traduzidas, às vezes, e por uma tradutora intérprete oficial ou por um estudante estrangeiro. Portanto, o que se diz em japonês, a gente só entende o que Wes Anderson quis que entendêssemos. Sabemos também que o latidos dos cachorros-humanizados seria traduzido pro inglês (na voz de atores muito famosos) e, portanto, familiar aos nossos ouvidos. Anderson diz, assim, que a língua de um povo é instrumento de controle, que a tradução dessa língua passa por pessoas e pessoas nunca são isentas. Anderson, também de Moonrise Kingdom, O Fantástico Sr. Raposo e O Grande Hotel Budapeste, está interessado na ineficácia das traduções, das interpretações das culturas dos outros, daquilo que é diferente. Não há traduções verdadeiras – vide o dito “traduttore, traditore“, ou seja, “tradutor, traidor”.

Portanto, o cerne do filme está bem mais embaixo da  montanha de lixo por onde vaga a simpática matilha de cães. Tem humor e significados nas falas e gestos dos personagens japoneses que só nativos entendem. E isso não é por acaso. É sutil e escancarado ao mesmo tempo. Vindo de um americano que faz cinema autoral, com cores e propostas únicas como Anderson, pensar na arrogância da política americana do momento presente é só o começo dessa conversa.

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