PINÓQUIO – PINOCCHIO
Opinião
Definitivamente, o Pinóquio de Matteo Garrone não é pra qualquer um. Nem pra qualquer idade. Sombrio – tanto na paleta de cores, quanto no clima que norteia os personagens -, a história do boneco de madeira que sonha em virar menino de verdade nada tem a ver com a animação lançada em 1940 pela Disney. O olhar de Garrone revela não só até onde pode ir a desobediência de uma criança, mas o lado mais obscuro do ser humano. Seja da idade que for.
Matteo Garrone é italiano, diretor de filmes como Dogman e Gomorra, que não poupa esforços para deixar sua marca na tela. Marca de que a natureza humana é hostil, frágil, persuasiva e facilmente manipulável. Dogman e Gomorra tratam das relações humanas desvirtuadas, da violência inerente às relações de poder, do crime pelo prazer através da sua leitura da máfia italiana em todas as camadas.
Em Pinóquio, que já tinha me impressionado quando assisti no Festival de Berlim em 2020, Garrone resgata a história do carpinteiro Gepeto (na pele do ator italiano Roberto Benigni, também de A Vida É Bela), que era pobre, morava numa pequena vila e um dia faz um boneco de madeira, que ganha vida pelas mãos da Fada Azul. Tem Grilo Falante, a raposa João Honesto e o gato Gideão, a baleia, a lesma e o peixe, seres que invadem o universo dos humanos – ou vice-versa – e que dão a este live-action ares de fantasia. E de sabedoria, se preferirmos não falar de lição de moral.
A lição que Pinóquio aprende é de que é preciso obedecer aos pais. De que filhos que não ouvem seus pais não chegam a lugar nenhum. O Grilo avisou, a Fada alertou, mas Pinóquio cai na conversa de gente oportunista, o nariz cresce por causa das mentiras e ele ganha as orelhas de burro, por causa das decisões erradas. Mas embora Pinóquio seja um menino e esteja personificando a relação entre pais e filhos, o visual de Garrone convida a avançar na idade e imaginar – não é difícil – que tudo isso se encaixa em qualquer fase da vida. Obedecer aos pais pode ser entendido como encaixar-se aos padrões da sociedade, seguir dentro da linha de comportamento como manda o figurino, não se desvirtuar. Nem pegar atalhos.
Garrone faz é uma releitura, para adultos, da história escrita originalmente em 1883 por Carlo Collodi. Relê, imprime uma força enérgica, uma tentação quase incontrolável de transgredir em meio a uma certa leveza com ares de aventura na trilha sonora, para enaltecer, por fim, a meritocracia. O esforço de ser bom, honesto, trabalhador, afinal, é recompensado nessa vida. Mas não tem almoço de graça – nem pra conto de fadas.
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