O SOM AO REDOR (Gramado 2012)

Cartaz do filme O SOM AO REDOR (Gramado 2012)

Opinião

FILME DA MOSTRA COMPETITIVA DE LONGA NACIONAL

Quando o som da sessão de ontem do Festival de Cinema de Gramado apresentou problemas que comprometiam não só a qualidade do filme, mas o entendimento do que diziam os personagens, a exibição foi interrompida. Faltava muito pouco para o final. Além da obviedade da situação, já que se tratava de um filme da mostra competitiva, foi dito que haveria reprise hoje pela manhã, já que aquele desfecho seria absolutamente essencial para toda a trama apresentada em O Som ao Redor.

E hoje foi provado que tinham absoluta razão. O filme já se delineava interessantíssimo na sua construção do panorama da vida da classe média urbana nordestina, inserida no contexto dos bairros descaracterizados, da especulação imobiliária, do medo paralisante, das relações familiares e servis, da família paternalista, do coronelismo. Naquela categoria de filme que costumo ressaltar com filmes de observação, que também estão na função de observar o comportamento da sociedade. E, especificamente neste caso, de observação do som da cidade de Recife – que é de fato um dos personagens do filme. Mas o desfecho, aquele que ficou faltando na noite de ontem, é realmente fundamental. E surpreendente. Para quem não tem tanta paciência, gosta de filmes mais rápidos, decisivos, minha dica é investir. Porque o desfecho compensa.

“O que me interessa muito nas cidades são os não-lugares, como o bairro de Setubal, onde se passa o filme”, comenta o diretor Kleber Mendonça. “Os não-lugares são fotogênicos, têm pessoas circulando e, onde se tem o elemento humano, há histórias.” E são essas histórias que são retratadas, não sem a intenção de retratar a mudança do perfil urbano da zona sul do Recife, não sem a preocupação de registrar o novo perfil da sociedade que por ali circula.

Para tanto, os personagens têm diálogos muito realistas, as cenas têm tempos reais e muita observação. João (Gustavo Jahn) é quem permeia por praticamente todas as situações. É neto de Francisco (Solha), que é dono do antigo engenho, portanto um senhor de terras, e hoje é dono do espaço urbano, na figura da demolição da cidade e da sua verticalização. Francisco é dono de tudo: do dinheiro, da rua, dos prédios e da ordem vigente. A elite.

Por outro lado, surge a classe média que desponta no panorama da família de Bia, com sua rotina, suas preocupações e pirações. Formando a triangulação, a classe média baixa de empregados surge na figura das empregadas domésticas, e dos vigias da rua, liderados por Clodoaldo (Irandhir Santos, também em A Febre do Rato, Tropa de Elite 2, Viajo Porque Preciso, Volto Porque Te Amo), que aparecem oferecendo, ou melhor, impondo, seus serviços, moeda de troca quando se pensa no medo que escraviza a sociedade.

O Som Ao Redor é um convite à observação do que está em torno da vida nas cidades. Ter assistido duas vezes foi até uma boa pedida. O filme exige atenção e observação dos signos e códigos colocados ali pelo diretor. Kleber Mendonça fala do Recife, mas poderia ser qualquer grande cidade brasileira, inserida no seu contexto particular. Quem é morador de uma grande cidade sabe o quanto é difícil parar, olhar, sentir e perceber o que está acontecendo ao redor. No mínimo, não dá tempo. No máximo, perdemos essa capacidade de contemplar e emitir opinião. Aproveite para fazer o exercício. Sua cidade pode ser um grande laboratório.

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