O PORTO – Le Havre

Cartaz do filme O PORTO – Le Havre

Opinião

Começo pelo tema, que é cada vez presente, importante e difícil de equacionar. Lidar como fluxo contínuo de imigrantes africanos em terras europeias tornou-se uma questão social, política e econômica complexa demais. Estamos falando mais especificamente das cidades portuárias da França, portas de entrada também para a Inglaterra. O chamado contrabando humano e as migrações de famílias inteiras expõem essas pessoas ao desemprego, à falta de moradia e ao preconceito sem igual. Ainda mais em época de crise como a atual na Europa.

O Porto (referindo-se à cidade portuária de Le Havre, na Normandia) trabalha basicamente com essa questão. Mas de uma forma ingênua, que soa muitas vezes totalmente irreal – parece até fábula. Talvez tenha sido essa a intenção do autor, de mostrar uma sociedade idealizada, em que é possível haver compaixão e acolhimento, sem esperar nada em troca. Confesso que, no decorrer do filme, esse ritmo inexpressivo de alguns personagens cansa, como o do ex-escritor e atual engraxate, Marcel Marx, um senhor de bom coração que cuida da mulher doente, é amigo dos vizinhos, está cheio de problemas mas mantém a cabeça erguida e o otimismo. É ele que se indigna com o tratamento que a mídia dá à família de refugiados do Gabão, encontrados em um conteiner no porto da cidade, e com a perseguição ao garoto Idrissa (Blodin Miguel), cujo desejo é embarcar para Londres para encontrar-se com a mãe. Enquanto Marcel opta por desafiar as autoridades e ajudar o garoto, a amizade entre os dois se estabelece, numa situação um pouco improvável, eu diria. Tudo muito dentro dos conformes demais. Até o policial, feito pelo ator Jean-Pierre Darroussin (também em Conversas com meu Jardineiro, As Neves do Kilimanjaro) parece ser conivente com a situação.

O clima é construído propositalmente e O Porto, que ganhou o prêmio da crítica em Cannes no ano passado, tem sua razão de ser pelo tema que aborda. Mas também confesso que dois outros filmes sobre “imigração ilegal” abordam o assunto de maneira mais verdadeira e tocante. Já citei algumas vezes Bem-Vindo, com Vincent Lindon, que também mostra a realidade na cidade portuária de Calais e o relacionamento entre um professor de natação e um garoto curdo refugiado. Outro é O Visitante, sobre os imigrantes senegaleses e sírios na Nova York após 11 de setembro. Ambos têm um apelo forte à essa improvável amizade e relação de respeito, que vai mudar a vida das pessoas envolvidas para sempre. E são mais realistas, sensíveis, sem a atmosfera teatral de O Porto.

Importante enquanto reflexão e rico em histórias de vida, o tema imigração na Europa em forte crise é sempre pauta do dia. É sensível, desperta simpatia e compaixão, a vontade de conviver numa sociedade ideal, mas minha dica é correr para a locadora e não deixar de conferir Bem-Vindo e O Visitantese o tema interessar. São mais realistas, e nem por isso menos humanos.

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