MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS – Coeurs

Cartaz do filme MEDOS PRIVADOS EM LUGARES PÚBLICOS – Coeurs

Opinião

Só se nota que é Paris quando se vê no fundo a Torre Eiffel. No mais, só interiores. Os cenários são lugares públicos, ambientes de trabalho, apartamentos; mas medos são particulares, privados, fechados nesses ambientes de morada, de convívio e nos corações. Deve ser por isso que o título original é justamente Coeurs (Corações).

Seis personagens têm suas vidas entrelaçadas por contingências diversas. Mais ou menos como a Quadrilha, de Drummond: “João amava Teresa que amava Raimundo que amava Maria que amava Joaquim que amava Lili que não amava ninguém” – com a diferença que aqui o amor parece meio capenga. Nicole procura o corretor de imóveis chamado Thierry, pois quer se mudar de apartamento com o noivo, Dan; Thierry trabalha com Charlotte, moça religiosa que guarda alguns segredos e que, nas horas vagas, ajuda a cuidar de um senhor senil, pai de Lionel; este é barman em um hotel de decoração psicodélica e impessoal, onde o ex-militar Dan, noivo de Nicole, vai beber, afogar as mágoas, aconselhar-se, enquanto não decide procurar emprego; Dan termina por conhecer Gaelle, a irmã de Thierry, que se acha uma chata e é adepta aos encontros às escuras. Diferente do poema de Drummond, aqui parece que ninguém ama ninguém, mesmo porque, já de partida, não conseguem amar a si próprios.

Falando assim, parece pesado. Mas é só intenso, baseado nas emoções dos personagens. Tudo é contado em cenas curtas, abordado com maestria pelo diretor, com toques de realismo fantástico – a neve não para de cair em Paris (logo em Paris, onde quase não neva) e às vezes até entra nos ambientes internos. Mas, o impossível não choca porque o foco está nas pessoas e a neve é como a cortina que sobe e desce a cada ato. É como se os ambientes internos fossem um retrato do interior de cada um dos personagens. Ninguém ousa sair na Paris das luzes e iluminar aquilo que não se conhece – melhor ficar onde não se tem surpresas, prisioneiros de si próprios. Quando Lionel diz que “passamos pela vida sozinhos”, tive mesmo essa impressão. Pelo menos no filme. É tanto gente confusa que sozinhos parecem se entender melhor. Ou não?

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