Opinião

Essa história de dar a luz, ser dopada após o parto, acordar e receber a notícia de que seu filho morreu é um pesadelo eterno. Guerras e regimes ditatoriais repetiram essa fórmula de destroçar famílias. Cicatrizes é sobre esse vazio que fica na vida e parece não desaparecer jamais.

Ana (Snezana Bogdanovic) é uma costureira que teima em dizer que seu filho foi sequestrado há 20 anos, após o parto. Sua vida é um inferno, vive percorrendo hospitais, vasculhando arquivos, procurando provas, desconfiando da sombra. Sua vida familiar se resume a essa espera, que nunca chega. Baseado no depoimento de Drinka Radonjic, uma costureira de Belgrado que procurou o filho dito natimorto por duas décadas, Cicatrizes tem um tom de drama e suspense. Ora estamos dentro da mente de Ana, que vive obcecada com a ideia de que o filho foi sequestrado e está vivo, ora estamos na pele dos familiares e conhecidos, que já não aguentam mais essa busca insana, que beira a perseguição.

Indicado da Sérvia ao Oscar de filme internacional, Cicatrizes é real e aconteceu há somente 30 anos. Mostra esse momento da Guerra Civil Iugoslava nos anos 1990, em que o coração da Europa viveu uma guerra atroz, em que os países se tornaram independentes e tiveram que reencontrar sua identidade nacional e seu equilíbrio, em que as famílias foram esfaceladas na crueldade e covardia. Nesse contexto de quem passou por isso e precisa seguir vivendo, Ana é uma potência – como personagem, mulher, mãe.