NÃO, MINHA FILHA, VOCÊ NÃO IRÁ DANÇAR – Non ma fille, tu n’iras pas danser

Cartaz do filme NÃO, MINHA FILHA, VOCÊ NÃO IRÁ DANÇAR – Non ma fille, tu n’iras pas danser

Opinião

Nos filmes do diretor francês Chistophe Honoré que já chegaram ao circuito brasileiro, o cupido, ainda que fadado a machucar, gera amor sem distinções e sem descanso. Nesse sentido, o filme mais recente de Honoré, Não, Minha Filha, Você não irá Dançar, é o passo seguinte: o que está vitimando  Lena é o excesso de amor que se acumulou ao seu redor com os anos. É um passo adiante também porque a faixa etária dos personagens  de Honoré subiu ligeiramente. Saem os jovens adultos, entram os casais com filhos   (e a paternidade ganha o centro dos dramas). As fãs de Louis Garrel podem,  porém, se despreocupar: o ator-símbolo do diretor, aquele que personifica o lado mais lúdico-afetado de Honoré, continua em cena.

Lena é vivida por Chiara Mastroianni, coadjuvante dos filmes  do diretor que aqui se entrega com raça à chance do protagonismo. A personagem   passou recentemente por um divórcio e está naquela fase em que todos tentam tomar decisões por ela: a irmã agenda uma entrevista de emprego para Lena, a   mãe chama o ex-marido para uns dias na casa de campo para testar uma possível reconciliação da filha com o cara etc.

A protagonista só consegue pensar em seus dois filhos pequenos. Instintivamente, dobra os cuidados, dobra as brincadeiras, sente que precisa   ser pai e mãe, como se o divórcio na verdade fosse uma viuvez. Com isso só consegue sufocar os filhos com o mesmo excesso de zelo que dedicam a ela – e a trama   do filme se desenrola de angústia em angústia a partir desse conflito de geração desdobrado em dois.

Honoré enxerga o mundo, em certa medida, como Lena: tudo é reiteração   de um incontornável vaticínio. Se a mãe tira um cigarro da mão da filha, não   é porque está preocupada com a saúde dela, mas porque instintivamente precisa   reforçar seu controle maternal. Seja a imagem da caixa de um tabuleiro, um prato  de Bart Simpson, as fotos de Cary Grant e Ingrid Bergman em   um lobby de cinema ou um pássaro morto, tudo é simbolismo. O francês chega a   interromper a trama para contar uma nova história-alegoria, como se já não dispusesse  de simbolismos suficientes.

Aliás, embora Honoré não quebre a narrativa com números musicais, como costuma fazer – afinal, este é um filme “adulto” -, a ideia de que não  podemos renunciar, de que “temos que seguir dançando”, está mais presente   do que nunca. A imagem da eterna dança como um lema e uma maldição, que une figuras trágicas distintas como o Juiz Holden de Meridiano Sangrento   ou o protagonista de Dance Dance Dance de Haruki Murakami, não é diferente com Lena.

Devem, enfim, fazer a alegria dos psicanalistas os filmes de Honoré. O truque do diretor, de momento em momento, é vacinar as suas neuroses com um   pouco de auto-ironia. No caso de Lena, quando ela visita a escola do filho e   o toca pela grade do pátio, o moleque solta uma ótima: “Sem   drama, mãe”. Menos drama seria bom. Mas o que sobra sem drama?

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