TURNÊ – Tournée
Opinião
O que hoje é chamado burlesco tem suas origens na comédia italiana de improviso, a commedia dell’arte, no século 16. Ganhou os cabarés parisienses na Belle Époque e atravessou o Atlântico, onde ganhou também a característica do striptease, com aquele toque, a meu ver, mais grotesco do que artístico. Interessante saber que as atrizes do filme são realmente mulheres do teatro burlesco, em carne e osso. Elas representam elas mesmas, dirigidas pelo também ator Mathieu Almaric (também em O Escafandro e a Borboleta, A Questão Humana, Munique, Ervas Daninhas), premiado em Cannes pela direção deste filme.
A turnê do título se refere justamente aos espetáculos que essa trupe de mulheres americanas faz na França, lideradas pelo ex-produtor de televisão francês Joachin Zand (Mathieu Almaric). Depois de uma temporada fracassada nos Estados Unidos, Joachin volta à França, ancorado na possibilidade de fazer sucesso com os espetáculos em várias cidades pequenas, terminando com chave de ouro em Paris. Basicamente, o enredo é esse. Pensando no filme, tracei um paralelo entre a figura dessas mulheres – que, quer você queira, quer não, são uma clara ironia ao padrão de beleza, à estética associada à sensualidade, ao consumo por esse tipo de espetáculo – e a realidade da vida, a dificuldade das relações, a solidão. O próprio Joachin não se encaixa em lugar nenhum, não consegue se comunicar com o irmão, pai e filhos, sente-se perdido, preso nos seus feitos e erros do passado, afunda-se na ilusão de uma turnê de sucesso.
Quando penso naquelas mulheres, tenho a sensação de algo desatualizado, previsível, vulgar, fora de moda – assim como os lugares por onde passam, principalmente o último hotel, degradado, abandonado. Com todos esses aspectos, Almaric consegue trazer à tona o lado humano dos personagens e suas angústias, usa dos exageros do burlesco para desmascar e desnudar a alma dos atores, deixando em segundo plano esse apelo à sexualidade. Talvez tenha sido premiado por isso, não sei. Mas não acho que era para tanto. Turnê é bem interessante, o elenco é ótimo, mas acho que não agrada a todos. Ao sair do filme, algumas pessoas comentavam que assistiram ao trailer e que achavam que se tratava de uma comédia. Ledo engano. É uma paródia burlesca sem floreios, mas com um olhar humano. Repare que você verá o filme sob o prisma de quem está nos bastidores, seja no palco, seja no panorama da vida da personagens. A representação fica para segundo plano. Gosto desse prisma – dá sentido às reflexões que o filme suscita.
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