DOGMAN
Opinião
Especial 80º Festival de Veneza
Recentemente revi White God do diretor húngaro Kornél Mundroczó e imediatamente me transportei pra última cena em que, deitada no meio da rua, a protagonista Lili é rodeada por sua matilha de cães. A gente vê de cima, com a câmera que se distancia e nos mostra a menina no centro, com os cães ao redor, formando uma estrela. Assim como Douglas, Lili também protege os animais da violência humana. E é protegida por eles.
Douglas, de DOGMAN, é o próprio homem-cachorro do título. O diretor conta que um artigo de jornal o inspirou a escrever esta história. A reportagem contava o caso de um garoto que ficou preso em uma jaula aos 5 anos. Preso pelos próprios pais. Besson ficou imaginando o que poderia ser dessa vida depois do trauma. Sentou e escreveu o roteiro. Besson conta que escreve todos os dias desde os 16 anos — e escreve bem. É dele também O PROFISSIONAL, de 1993, que coloca Natalie Portman no mundo cinematográfico.
Tudo isso pra dizer que o impacto de DOGMAN é tremendo. A alma é o ator escocês Caleb Landry Jones, que encarna Douglas de forma visceral, nos fazendo a mesma pergunta a cada desafio: o que fazer com o que a vida fez com a gente? São os cachorros que dividem o protagonismo e as cenas decisivas do filme, que também fazem o contraponto com a psiquiatra Evelyn. O sofrimento é questionado na mesma medida em que a fé é duvidosa. Acreditar sempre, mesmo diante das violências da vida? Tem mais perguntas que respostas, mas como disse Douglas, os cães têm só um defeito: confiar no ser humano.
Com um texto rico em reflexões, nos fala das nossas raízes como base, embora ele seja algo que fique debaixo da terra, invisível. É um convite à empatia, a colocar-se no lugar do outro, ao não-julgamento. Salvar a humanidade? Só através da arte e do amor. Besson deixa isso claro, neste belíssimo filme fechado com cães na posse da chave de ouro.
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