PERSONAL SHOPPER
Opinião
Já disse aqui que Kristen Stewart conseguiu o que parecia o improvável: afastar-se da imagem vampiresca da saga Crepúsculo e construir uma carreira com personalidade. Seu parceiro Robert Pattinson não conseguiu – olho pra ele e vejo sempre um sujeito morto-vivo. Kristen não. Já quando embarca no road movie Na Estrada dá o ar da graça, vai solidificando sua presença, embora como coadjuvante, no outro filme do diretor francês Olivier Assayas, Acima das Nuvens, brilha do lado de Julianne Moore em Para Sempre Alice, pra realmente dizer a que veio sob direção de Woody Allen em Café Society. Agora, Personal Shopper é ele mesma – e praticamente sozinha.
Kristen faz um filme sobre consumo. Seu trabalho como personal shopper – alguém que escolhe roupas e acessórios para outro alguém, famoso ou não, que não tem tempo, paciência ou, teoricamente, bom gosto pra escolher para si próprio. Coisa esquisita, não saber o que gosta de vestir. Tem a história da construção do visual, pra quem é famoso e vive de vender sua imagem. Mesmo assim é um tanto quanto estranho. Enfim, Kristen é Maureen, uma moça que mora em Paris, garante uma grana cuidando comprando roupas, joias, acessórios para uma famosa enjoada e cheia de vontades, está passando pelo luto pela morte do irmão gêmeo e tem que lidar com seu fantasma rondando sua vida. É médium e percebe a presença do irmão na casa da família e em outros ambientes onde vai. Além disso, tem que lidar com outro fantasma que a assombra pelo whatsapp, que segue seus passos, sabe tudo sobre ela, a desafia a transitar pelo proibido (como provar as roupas da sua chefe enjoada e cheia de vontades) e transgredir. O filme é Maureen do começo ao fim, com suas angústias e dúvidas, transitando nos universos que não lhe pertencem: a fama, as roupas caras, o apartamento transado, as joias Cartier, o mundo virtual atual, a morte do irmão que já não existe mais.
A reflexão que nasce de Personal Shopper é genial. É como se não tivesse em solo firme. Tudo é transitório, tudo depende do olhar seletivo. Daquilo que você escolhe consumir. E se tem alguém que escolhe pra você, então fica ainda mais complicado lidar com as questões da vida. Tudo é simbólico. Maureen precisa acreditar para tocar a vida: na presença do irmão, na grana do emprego, no homem misterioso que manda mensagens e a seduz de alguma forma para um mundo inacessível. A gente também. Selecionamos a realidade que convém. Está cheio de fantasma rondando nossas vidas, fantasiados de passado e de futuro. A gente acredita, agarra com todas as forças e não solta a corda de jeito nenhum. Experimentar confiar no presente pode trazer uma experiência libertadora. Carregar o essencial, deixar pra trás o supérfluo. Um exercício. De novo, libertador.
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