SE NADA MAIS DER CERTO

Cartaz do filme SE NADA MAIS DER CERTO

Opinião

 “Qual a lógica do pobre quando ele rouba alguém que tem mais dinheiro que ele? Ele simplesmente está querendo algo que não tem. Qual é a lógica do rico que rouba o pobre, se ele já tem? Penso muito, mas não consigo entender essa lógica, por que o rico precisa me roubar. Às vezes acho que faz sentido roubar o rico. Mas a gente é educado para não roubar. Mas não somos educados para não ser roubado.”

 Léo, personagem de Cauã Reymond

O que eu lembrava que tinha circulado na mídia sobre o filme era uma imagem dos personagens na praia. E foi com essa imagem na cabeça que comecei a assistir a Se Nada Mais Der Certo, creditando ao filme conflitos com uma certa descontração. Me enganei redondamente. De fato vão à praia, mas essa é uma cena de exceção, assim como a luz dessa passagem. Não há nada de bucólico no filme. Ele é pura melancolia e desespero. Acho, inclusive, esta capa do DVD (ao lado) mais fiel.
Se Nada Mais Der Certo é um filme forte, nada fácil, mas interessante, intenso e que demanda reflexão e estômago – por isso, escolha um dia certo para ele. Logo de cara tem aquele estranhamento da filmagem, dos enquadramentos muito próximos, da falta de luz – que seguem por todo o filme. Mas tudo é fundamental para criar um clima de “última tentativa”, ajuda a construir o universo quase que documental da vida dos personagens.
Léo (Cauã Reymond) é um jornalista sem emprego, dinheiro ou estrutura emocional; Marcin (Caroline Abras) é uma moça estranha, totalmente envolvida com o submundo do crime e da prostituição; Wilson (João Miguel) é um taxista depressivo que precisa criar alternativas para ganhar a vida. A junção dos três faz com que se tornem “saltimbancos”. Literalmente, porque a trilha sonora de Chico Buarque de Os Saltimbancos coloca todos no mesmo barco – e a partir daí “não há nada pra temer”.
Interessante essa construção, porque o musical Os Saltimbancos é coisa da minha infância, remete ao teatro, à diversão, à música, à ingenuidade. Mas na verdade não é. Foi adaptado por Chico Buarque no fim dos anos 70, época já de alguma abertura política, mas ainda de ditadura. Não se trata somente de um filme sobre a desagregação da classe média envolvida no crime e das estruturas familiares às avessas; trata-se também de um recado político explícito, em que as figuras da nossa classe política ganham cara e tem nome, em que a corrupção é endêmica, em que a impunidade é fato, em que o conformismo nos aprisiona.
A bem da verdade, estamos muito mal servidos. E se nada mais dá certo, quem ganha o jogo: a ética ou a criminalidade? Acho que ganha a falta de esperança – e ganha com folga.

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