RICKY
Opinião
Já na primeira cena percebemos que algo não vai bem. A operária Katie (Alexandra Lamy) está diante de uma assistente social pedindo socorro. Não consegue mais cuidar dos filhos por conta própria, o bebê só chora, o aluguel está atrasado e o namorado foi embora. Só no final é que percebi o quanto essa específica cena, colocada justamente nessa ordem, foi uma jogada inteligente. Bom roteiro. Bem, mas a partir daí voltamos para trás, para entender o porquê de tanto drama.
Aqui entra a incrível Lisa (Mélusine Mayance), de 7 anos. Filha de Katie, ela rouba a cena. Não só na prática, porque é ela quem cuida da casa, quem acorda a mãe, quem faz o café, mas também emocionalmente, porque é ela quem questiona, quem fica indignada, quem contesta o status quo familiar. É através dos olhares e perguntas de Lisa que nos damos conta do núcleo familiar rompido. Sem falar que, com a chegada de Ricky, do título, fruto do relacionamento de sua mãe com Paco (Sergi López, também em Partir), ela nos presenteia com caras, bocas e olhares de quem está com ciúme do irmão mais novo, mas principalmente de quem é criança e tem muita, mas muita sensibilidade.
Mas o protagonista aqui é o bebê Ricky, que vem carregado de um elemento fantástico, e poranto irreal – mas nem por isso menos mágico. Assim como em O Refúgio, François Ozon (também de Potiche – Esposa Troféu, O Amor em 5 Tempos) reflete fortemente sobre a família, sobre a liberdade de escolha. O fato de Ricky ser um bebê especial é chave para a trazer à tona a ideia que Ozon pretende: falar do olhar maternal de adoração incondicional, da mídia enlouquecida atrás de notícia, do poder transformador que tem o novo, o inusitado – por mais estranho que ele possa ser. E digo mais: por mais absurda que seja a ideia do diretor, em nenhum momento ela soa exagerada ou ridícula. É uma ferramenta usada de forma até poética – como sabiamente disse uma senhora ao sair do cinema. É como uma metáfora dos sinais da vida – que deveríamos sempre prestar bastante atenção.
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