QUINCAS BERRO D’ÁGUA

Cartaz do filme QUINCAS BERRO D’ÁGUA

Opinião

“Minha vida de morto é mais animada que a de muito vivo por aí.” – Quincas

Fazia anos que ele não bebia um copo d’água. Bebeu pensando ser pinga e berrou – como se a água fosse matá-lo. Foi assim que o funcionário público Joaquim ganhou o apelido de Berro d’Água. Ele que passou por uma existência chata, monótona e previsível e que um dia soltou as amarras, largou mulher e filha e mudou tudo; ele que abdicou da estabilidade para improvisar a vida e morar num cortiço na baixa de Salvador, direto para o reduto dos marinheiros e beberrões, prostitutas e marginais. Ele que morreu no auge da bebedeira.

É esse Quincas (vivido por Paulo José) que narra suas escolhas, aventuras e desventuras. Mesmo depois de morto. E é essa a grande sátira da história: é possível escolher ser feliz, apesar das mazelas do dia a dia – se o fizer enquanto vivo, tanto mais se pode aproveitar. No caso de Quincas, ele vive igualmente nos ombros de seus irreverentes e fidelíssimos companheiros (entre eles Irandhir Santos, também em Besouro), que carregam seu corpo para cima e para baixo para que não perca um só minuto de morte; já sua filha Vanda (na pele da impecável Mariana Ximenes) percebe que morta não terá amigas fiéis ou sorriso nos lábios. Com a morte que chega sem pedir licença, mais proveitoso viver em vida.

Baseado no romance de Jorge Amado, esse realismo fantástico mostra um pouco da Salvador dos anos 60, do funcionalismo engessado e da vadiagem das ruas – e essa reconstrução é bem bonita. Mas essencialmente sintetiza e ironiza, no personagem morto-vivo, a faceta humana que nós mesmos imprimimos nas nossas escolhas de vida. Se é que é possível não se importar com os julgamentos, despir-se das formalidades, não culpar o outro pelas infelicidades e mesmices da vida, preservar as amizades ainda em vida, não se importar com picuinhas. Se for possível e ainda se tiver a mesma sorte de Quincas, o desfrute vem em dose dupla.

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