NO RITMO DO CORAÇÃO – CODA

Cartaz do filme NO RITMO DO CORAÇÃO – CODA

Opinião

por Suzana Vidigal, especial para revista Vida Simples

@vidasimples

Histórias universais normalmente têm elementos de sobra para releituras. O tempo passa e aquela narrativa continua atual, pertinente. É o que acontece com o filme NO RITMO DO CORAÇÃO, de Sian Heder, que vem arrebatando prêmios por onde passa, está indicado a três Oscars, mas arrisco dizer, sem medo de errar, que sua contribuição maior vai além disso. Com um roteiro emocionante e divertido, traz à tona uma questão absolutamente na pauta do dia: a construção de uma sociedade mais inclusiva — o que nos ajuda, e muito, no processo necessário de quebrar padrões.

Começando pelo começo, vamos ao título. Em inglês, o original é CODA, que é um acrônimo para “children of deaf adults” — filhos de adultos surdos, numa tradução livre. Baseado no filme francês A Família Bélier, de Éric Lartigau (2014), conta a história de uma família de quatro em que pai, mãe e filho são surdos-mudos, mas a filha não. É ela, Ruby (Emilia Rossi), quem faz a ponte entre a família e o mundo, quem facilita a comunicação entre eles e os pescadores da comunidade em que vivem, quem possibilita que o negócio aconteça. Sempre foi assim, até que Ruby percebe que adora cantar, entra na universidade e fica dividida entre estudar música ou ficar no vilarejo trabalhando com a família. 

Falado em grande parte na língua dos sinais, isso não é impeditivo para que a gente se sinta parte da história, para que a gente se identifique com os personagens. Isso porque há uma quebra de paradigma importante no recorte escolhido: o roteiro não é escrito porque os personagens são surdos; o foco está no conflito que eles vivem e, coincidentemente, acontece de serem surdos. O que é ressaltado não é a falta de audição, mas a questão universal do rito de passagem de Ruby, as questões de relacionamento, de relação mãe e filha e tudo mais que se encaixa perfeitamente na vida de todo mundo, independente da nossa condição.

Para tornar isso mais normal possível, a escolha dos atores e atrizes passa também por essa premissa. Os artistas são realmente surdos e foi necessário o inverso: que toda a equipe se adequasse a eles, com intérpretes e preparadores de elenco. Claro que isso também trabalha a inclusão quando se trata de dar oportunidade de trabalho a artistas com as mais variadas características e habilidades, incorporando personagens em que eles possam trazer seus talentos específicos. O cinema tem trazido isso, numa preocupação que reflete o movimento de trazer maior representatividade para as narrativas. Surdos são representados por atores surdos; transsexuais são representados por atores trans, e assim por diante. Assim temos a chance de ouro de consumir obras mais diversas, plurais e inclusivas. Mais parecidas com a vida real na diversidade que ela nos apresenta.

Tudo isso pra dizer que NO RITMO DO CORAÇÃO quebra esse paradigma de um recorte pela deficiência. Normatiza essa condição, desmistifica a vitimização, o isolamento, a falta de oportunidade — o que é muito saudável, convidando o espectador a visualizar não o que falta, mas o que tem de sobra: humor, trabalho, afeto, conversa, sexo. Sim, vida sexual ativa, alegria de viver e outras coisas mais da vida comum de todos nós, por assim dizer. Inclusive, dá de bandeja a chance de desconstruirmos essa palavrinha muito perniciosa que chamamos de “normalidade”. O que é ser normal pra você? O cinema está, felizmente, entregando obras que ajudam a olhar para esses conceitos e quebrar padrões de comportamento e vícios de linguagem. 

 

 

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