LEONERA
Opinião
Em espanhol, o termo “leonera” é o lugar onde ficam encarceradas as leoas. No filme, refere-se à prisão feminina de Buenos Aires, ala-creche em que as prisioneiras ficam com seus filhos até que completem 4 anos (depois são encaminhados aos familiares ou à instituição pública). Lugar sombrio e de forte tensão, tem nas crianças um alento, expressado pelos desenhos nas paredes e pela cumplicidade entre algumas mães na educação dos filhos.
A protagonista é Julia (Martina Gusman), universitária, amante de dois homens que são amantes entre si. Um deles morre e a suspeita recai sobre as outras duas pontas do triângulo amoroso. Presos, Julia e seu amante, o personagem de Rodrigo Santoro (cada vez mais presente nas produções internacionais), serão julgados pelo crime de que ambos negam, até o final, a responsabilidade. Ainda acho que o mentiroso era ele.
Com co-produção de Walter Salles e apresentação em Cannes, Leonera é realmente bom. Repare no tom real da vida na prisão, do sofrimento das mães, da hostilidade do sistema como um todo. Não há qualquer traço de romantização da personagem, nem mesmo de vitimização. É o que é, e ponto – mais uma vez o cinema argentino com a sua marca dos temas diretos e cotidianos, das questões da natureza humana. Outro ponto é a personagem de Julia, que sofre uma transformação incrível no decorrer da narrativa. De jovem imatura e assustada, passa a ser mãe sofrida e protetora, como uma leoa – fisicamente nota-se um amadurecimento da sua figura, além do envelhecimento amargo como pessoa. Por fim, mas não menos importante, é a questão familiar: a desestrutura da “família-formal”, trasmitida na relação complexa e mal resolvida com a mãe; o improviso da “família-adotiva”, retratada na amizada com Martha, na parceira da educação dos filhos aprisionados por tabela e na construção do universo infantil da prisão (ilustrado pela canção brasileira, Ora Bolas, de Paulo Tatit, cantada em espanhol).
Quando terminei de assistir, fiquei paralisada imaginando que vida teria Julia depois de toda a experiência vivida. Julgamentos à parte, já que o fato de ser ou não culpada é realmente secundário, o que fica é a sua determinação de mãe. Puro instinto de leoa.
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