O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS
Opinião
Terminou o filme e logo me veio à mente Medida Provisória. Assim como em O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS, o filme do Lázaro Ramos também trabalha no extremo, invertendo a uma lógica que aprendemos como padrão. Para o primeiro, a lógica do poder entre brancos e negros; pra o segundo, a lógica homens e mulheres.
Perguntei à diretora Anna Muylaert, que também escreve o roteiro, se esse filme foi uma referência pra ela, já que ambos constroem uma paródia exagerada pra pensarmos sobre a violência dessas desigualdades. “Concordo com seu paralelo, verdade”, ponderou Anna. “Esses filmes não foram referências, mas acho que todos nós estamos vivendo no mesmo caldo de radicalidade do mundo contemporâneo e estamos bebendo na mesma fonte, uma fonte que é essencialmente injusta e exagerada.” Lembrei também do recente A SUBSTÂNCIA, de Coralie Fargeat, que também vai nessa linha do “exagero didático” necessário pra desmontar padrões, abrir espaço pra debate e deixar claro pra quem ainda teima em não querer enxergar.
Por isso Anna Muylaert escancara, quase que com raiva; exagera no tom, porque tem gente que ainda acha que assédio, misoginia, desigualdade de gênero é exagero. Algo como “intriga da oposição”. Aliás, oposição é o que temos tido até aqui. Homens e mulheres em campos opostos e desiguais, mas de um tempo pra cá temos aprendido a falar sobre isso e derrubar algumas barreiras. E, aqui, o audiovisual tem um papel fundamental.
Anna não fala; põe a boca no trombone com O CLUBE DAS MULHERES DE NEGÓCIOS — e acho até que, por causa de tamanha empolgação em dizer em alto e bom tom tudo que vem sendo dito mais paulatinamente, pesa no deboche e perde na elegância que Que Horas Ela Volta, Durval Discos e É Proibido Fumar têm. Claro, são histórias diferentes, em momentos distintos do Brasil, em que foi preciso gritar mesmo.
Neste clube, os negócios vão ladeira a baixo, a lógica de poder e de domínio financeiro, sexual, empresarial se invertem e o que parece sob controle sucumbe. Lideradas por Cesareia, as mulheres de negócios se encontram no clube de campo e as conversas beiram o show de horror. Corruptas, bélicas na comunicação e na fissura por armas, violentas no assédio sexual e na intimidação, são coordenadas pela chefe do cerimonial que se chama Brasília, com a supervisão de Norma. Os nomes das personagens dispensam explicações, numa história que coloca homens na posição de servidão e de objetos sexuais, humilhados e violentados sem qualquer constrangimento.
As escolhas estéticas incomodam e o conteúdo é mais importante do que a forma. Aliás, na forma estão as onças, como representação deste universo de podridão humana. “Pensei em usar a onça, símbolo da fauna da América do Sul, por ser um animal selvagem e estar ameaçado”, explica Anna. “É uma metáfora da instância de poder que está fora do alcance do homem — por mais que ele ache que domine, nunca terá o domínio sobre a natureza, o mundo e seu destino.”
Neste frágil equilíbrio de forças, está tudo dominado e as onças são as donas do pedaço do universo feminino perverso. Mas não tem sido assim com os homens… Pelo menos não por enquanto.
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