ANOMALISA
Opinião
Fiz uma lista aqui no blog sobre animações que fogem do traço de Hollywood. Anomalisa vai pra essa prateleira. Em destaque. É daqueles filmes que terminam e você ainda fica parado, tentando captar e entender todas as nuances, detalhes, conotações, significados. São muitos, já digo de antemão. Não dá pra passar impune.
Porque todos nós temos um pouco de Michael Stone, um executivo especializado em telemarketing, que está em crise existencial, não sabe o que quer da vida, tem mulher e filho, mas se sente infeliz. Viaja a trabalho para dar uma palestra, resolve ligar para uma ex-namorada, encontrar-se com ela, viver no passado e do passado. O presente não preenche. Até que conhece uma moça, Lisa, que é sua admiradora, e com ela tem uma relação fulgaz – como se isso fosse preencher o vazio.
Tudo com bonecos, através da técnica stop motion, ou quadro por quadro – minuciosamente criado e sincronizado, para transmitir sensações, sentimentos. Dizer muito de Anomalisa tira grande parte do brilho do filme, que parece realidade. No sentido verdadeiro. É retrato da vida real, das complexas relações humanas, das ingratas expectativas da sociedade, do inesgotável trabalho que dá conviver consigo próprio. Considerando todas as nossas limitações e problemáticas, entender o que passa dentro da gente a cada momento da vida e manter toda a engrenagem da família, amigos, vida profissional e pessoal funcionamento bem é uma proeza. Trabalho para uma vida toda.
Anomalisa é assim. Faz parar pra pensar no teor humano dessa comunicação através dos bonecos. Foram três anos pra criar e rodar o filme; todos os detalhes pensados e executados para que a gente se identificasse com Michael e Lisa e os outros personagens. Acontece logo de início, no táxi. Porque são situações cotidianas, déjà-vu pra todos nós; hábitos humanos, conversas mundanas, fraquezas recorrentes. O mais curioso – e que causa muito incômodo – é a voz dos personagens. Repare: só Michael e Lisa têm voz própria; o resto tem uma voz única, sem personalidade. Metáfora de muitas coisas, mas, só pra começar a reflexão, pensei na indiferença que muitas vezes imprimimos no nosso dia a dia e nas pessoas que nos rodeiam; no olho voltado para nosso próprio umbigo; na falta do olhar altruísta, da compaixão, da doação; na vida pautada pela ausência e pela falta de algo. Afinal, a vida é feita da (com)vivência. Só Michael – e outros milhões – não sabem como dar conta disso.
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