TEATRO – VERMELHO
Opinião
Vermelho como sangue arterial, ferrugem na bicicleta, incêndio na noite de Dresden, o sol em Rousseau, bandeira em Delacroix, mármore fiorentino, corte ao se barbear, sangue na espuma branca, bandeira russa, bandeira nazista, bandeira comunista, víceras, chamas, satã! – Rothko, o artista
Vermelho como o entardecer, bater do coração, paixão, vinho, rosas, batom, beterrabas, tulipas, maçãs, tomates, pimentas, nariz de um coelho, olhos de um albino, telefone vermelho na mesa do presidente, caquis, romãs, distrito da luz vermelha, placa de “pare”, Papai Noel! – Ken, o aprendiz
O embate do Vermelho! Mestre contra aprendiz, experiência contra inocência, conhecimento contra emoção, velho contra novo, desgaste contra o fresco. Vermelho, no palco com Bruno e Antonio Fagundes, pai e filho, fala dessa dualidade natural da passagem do tempo a todo momento. E o faz através de um momento específico da carreira do pintor russo Mark Rothko (1903-70). Expressionista abstrato, contemporâneo de Jackson Pollock (veja link do filme Pollock), fez parte do grupo de artistas que surge após a Segunda Guerra para fazer uma arte que reflita os sentimentos, a visão de mundo, a tragédia humana. Com cores fortes e marcantes, vive um momento de crise em sua carreira, quando recebe uma encomenda milionária para pintar painéis para o luxuoso restaurante Four Seasons em Nova York nos anos 1950. Se aceita a encomenda, está colaborando com a dinâmica da arte comercial, aquela arte que “combina com o sofá” – o que vai contra sua leitura da expressão máxima do artista.
É esse embate entre o emocional e o racional que ele trava com seu aprendiz Ken (Bruno Fagundes). Ken é o representante da nova geração de artistas que vê na pop art de Andy Worhol a nova visão de mundo, que vai sufocar o expressionismo abstrato, que por sua vez sufocou o cubismo e o surrealismo, e assim por diante. É todo esse conteúdo de renovação e decadência que é tratado no lindo e sensível texto de John Logan, peça que fez muito sucesso na Broadway, sem ser abstrato demais. Afinal, tem como espinha dorsal a interessantíssima história de Rothko, com sutis e delicados toques de humor.
Os Fagundes têm liga no palco de fato. Achei acertado também no sentido figurado – a inocência de Ken em relação à arrogância e vivência de Rothko pode ser transportada pela maestria de Antonio e o talento inexperiente de Bruno. Tanto é verdade que no fim da peça os atores nos convidaram para ficar mais, bater um papo, conversar sobre o que vimos. Convidam-nos para doar um pouco mais de tempo (assim como pede Rothko em relação à observação de sua arte), para conversar, refletir – coisa rara hoje em dia. Portanto, programe-se para uns 20 minutos a mais além da 1h20 de espetáculo no belo e novo em folha Teatro Geo. O papo com os atores é delicioso, enriquecedor e principalmente muito descontraído. Toda a experiência de Antonio Fagundes nos palcos (parece que são 36 anos) aparece ali sem máscaras, de uma maneira generosa, como quem quer, precisa, adora trocar. Conhecimento, experiências, teatro.
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PROGRAME-SE:
Teatro Geo (Instituto Tomie Ohtake), R. Coropés, 88 – Pinheiros – tel: (11) 3728 4930 – de quinta a domingo.
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