A SOBREVIVÊNCIA DA BONDADE – THE SURVIVAL OF KINDNESS

Cartaz do filme A SOBREVIVÊNCIA DA BONDADE – THE SURVIVAL OF KINDNESS

Opinião

Suzana Vidigal _ especial 73ª Berlinale

Os créditos de abertura do filme já denunciam que algo diferente está por vir na comunicação do filme. THE SURVIVAL OF KINDNESS, o título, é escrito em vários idiomas, dando a entender que pouco precisamos saber para nos comunicar. Nem precisamos falar a mesma língua. Há coisas na vida que a linguagem corporal e atitude dizem por si só.

A Sobrevivência da Gentileza, é uma tradução literal, mas não poderia ser mais precisa. Trata-se do seguinte: uma mulher negra é mantida presa em uma cela e abandonada no deserto. Ali ela fica, dias e noite, até que consegue escapar. Descalça, vaga por montanhas e cidades, bosques e desertos, atravessa pandemias e violência, até que é presa novamente por um tipo de milícia que persegue todos aqueles que são diferentes.

“O filme é uma jornada mítica”, diz o diretor australiano Rolf de Heer. “Pouco importa se os pés da personagem não ficam feridos ou se ela não sente fome”, explica ele na entrevista coletiva na Berlinale, quando questionado sobre a verossimilhança da história que ele quer contar.

THE SURVIVAL OF KINDNESS, com uma linda trilha e as batalha das formigas no deserto construindo a metáfora das espécies que eliminam a si próprias para sobreviver, transcende qualquer barreira da lógica humana. A não ser a lógica inversa da violência e o racismo. Esta mulher negra não tem nome porque representa todos os marginalizados. O filme não tem diálogos, porque quando há comunicação, os personagens falam nos seus próprios idiomas, assim como os letreiros anunciavam. E não se entendem, mas compreendem a mensagem de violência ou gentileza. Há coisas que prescindem de palavras.

E há personagens que prescindem de rostos famosos. Pelo contrário, precisam ter a carga pessoal de quem faz a jornada. Mwajemi Husseis, que faz a mulher negra, nunca tinha ido ao cinema, muito menos imaginado ser atriz, é refugiada do Congo, recebeu proteção na Austrália, onde mora e trabalha como assistente social aos refugiados. Não se reconhece se não anda descalça. A história da personagem se confunde com a sua própria, numa imersão emocional que transita ora pela camada dos privilégios, ora pela camada da exclusão.

Tudo isso pra dizer que saio do filme pensando, mas sem saber por que caminho seguir. Passa o tempo e vejo o quanto é profundo, o quanto estamos presos aos mesmos preconceitos de sempre. Só a gentileza salva. Passa o tempo e gosto ainda mais disso.

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