SIRÂT

Cartaz do filme SIRÂT

Opinião

SIRÂT significa, em árabe, o ponto entre o inferno e o paraíso. É aquela linha tênue entre dois mundos ou ainda uma passagem estreita no inferno que almas justas atravessam, e injustos, despencam. E é ali que o filme de Oliver Laxe se passa. No limite. Ora a música eletrônica de uma rave é ensurdecedora, ora o silêncio é pacificador; ora o medo do abismo e da imensidão do deserto dominam, ora a beleza e a camaradagem conquistam e nos sinalizam que pode haver empatia e humanidade no improvável. 

Com estreia mundial no Festival de Cannes, SIRÂT levou o prêmio do júri e dividiu opiniões. “Como seres humanos, estamos fraturados”, disse o diretor Olivier Laxe na coletiva de imprensa. “Os personagens vivem em situação vulnerável e fazem uma viagem física pelo deserto do Marrocos, mas também — e principalmente — metafísica, interior.” Laxe filma com frequência, quase que como fio condutor os caminhões percorrendo as estradas do deserto e cruzando as montanhas, inclusive enquadrando a estrada em si. A jornada dos personagens talvez possa ser este “sirât”, esta via estreita.

Tudo isso pra dizer que neste ambiente hostil desértico, conhecemos Luis, um homem que, junto com seu filho Stéban, busca de Mar, sua filha de quem não tem notícia há meses. Como acham que ela pode estar em uma rave no deserto do Marrocos, é pra lá que viajam e distribuem sua fotografia na esperança de que alguém possa reconhecê-la. Missão inglória pra quem já espia as primeiras cenas. Resta saber se Mar fugiu, ou simplesmente foi embora. Desaparecimentos estão ligados, muitas vezes, à vontade de não ser encontrado. É diante do dilema de onde buscar que Luis se junta à uma trupe nômade de viajantes, que vai mudar completamente a trajetória esperada por eles e por nós também, espectadores.

SIRÂT desmonta expectativas. Propõe um elenco não-profissional, atores que vivem o que representam, e se conecta com a falta, com o vazio. Traz a verdade das cicatrizes de cada um. Aprendi que a música rave não é para escutar, como disse a personagem, mas sim para dançar. Por isso, a sonoridade é marcante, praticamente um personagem. E eles dançam, num filme que parece, segundo Laxe, um “Mad Max pré-apocalíptico”. Verdade, porque fraturado já estamos.

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