RAPSÓDIA EM AGOSTO – Rhapsody in August
Opinião
“Há pessoas que ficam silenciosas quando falam.”
Alguns falam, mas não dizem nada; outros preferem o silêncio, que é mais eficiente que um discurso inteiro. Com sábias palavras como essas, olhares, gestos e silêncio, a matriarca da família japonesa atravessa o tempo de dor pela perda do marido na explosão da bomba atômica de Nagasaki em 1945, da destruição da cidade, da necessidade de seguir viva, cuidando, educando e transmitindo sabedoria e paciência às novas gerações. Na cultura japonesa já ocidentalizada em muitos aspectos, Rapsódia em Agosto é um exercício de compreensão dos sentimentos e razões para se viver em cada uma das épocas. Filme de observação.
A senhora Kane é uma sobrevivente da guerra. Perdeu o marido ainda jovem, separou-se dos irmãos que foram se dispersando para outros cantos. O que foi para o Havaí, casa-se por lá, forma uma família ocidental, faz fortuna e perde o contato com os familiares e com a cultura japonesa. Quando os sobrinhos vão visitar o tio (pai de Richard Gere) que está morrendo nos Estados Unidos, os quatro netos adolescentes têm a chance de conviver com a avó e com o rico e antiquado, mas não menos importante, repertório e vivência desta senhora.
Rapsódia em Agosto traz questões muito interessantes sobre as heranças históricas e familiares que cada geração carrega. A geração pós-guerra japonesa carrega o trauma da bomba nuclear e a americana, a culpa por isso, da mesma forma que os alemães têm que conviver com o fantasma do nazismo dos tempos de Hitler (falamos disso em filmes alemães como Se Não Nós, Quem?). Como as gerações processam as atitudes passadas e elaboram o perdão e a culpa? Uma senhora, que viveu os horrores da bomba atômica e suas mais cruéis consequências, consegue perdoar e ensinar a perdoar, mas não a esquecer. O ritual de homenagensàs vítimas do ataque em agosto são singelos e de forte impacto, e se perpetuam no tempo.
Assim como em Marcha da Vida, em que judeus que viveram o Holocausto percorrem o caminho entre os campos de concentração com jovens, para que o passado não seja esquecido e que os ensine a olhar para frente e construir um mundo melhor, a senhora japonesa de Rapsódia em Agosto faz esse papel. Ensina seus netos a não guardar rancor, a lembrar para não repetir. O que deve apaziguar a alma, mas não diminuir a dor.
Rapsódia em Agosto é um singelo e bonito retrato da passagem do tempo. A dor é retratada pelo esforço (a última cena da chuva), pela sabedoria, pela lembrança. O importante diretor japonês Akira Kurosawa entrega aos jovens a carga da esperança, da construção de um mundo com menos mágoas. Deposita neles o futuro, mas enaltece a importância do passado, da história, das raízes e da família.
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