PETER VON KANT
Opinião
Assistido na 72ª Berlinale_2022
Seleção oficial do 34º Festival do Rio
François Ozon costuma fazer um filme por ano – foi ele quem disse na entrevista coletiva do seu mais novo filme PETER VON KANT. E é mesmo. Se a gente olhar, é uma filmografia que só cresce, com narrativas diversas, mas com um ponto em comum: as questões complexas do relacionamento humano.
Em tempos de pandemia, filmar essa releitura do clássico do diretor alemão Rainer Werner Fassbinder, As Lágrimas Amargas de Petra von Kand, de 1972, foi uma saída plausível. “Durante o confinamento, fiquei pensando como voltaria a filmar”, disse Ozon. “Como o roteiro original é de uma peça, montar a releitura dessa narrativa seria um filme de um cenário só e, assim, seria viável.”
Aproveitando a deixa: vai gostar do filme quem aprecia esse tipo de linguagem teatral no cinema, em que a dramaticidade é pujante e os diálogos, preciosos. Roteiros de uma locação só, entra-e-sai de personagens, fluxo narrativo encadeado que vai transformando aqueles que passam pelo palco, ou melhor, pela tela. No filme de Fassbinder – que, segundo Ozon, tem uma obra forte e violenta –, a protagonista é uma estilista, que se apaixona por uma aspirante a modelo; na repaginada de Ozon, o protagonista é um cineasta que se apaixona por um aspirante a ator. “Adaptar uma peça clássica aos tempos atuais é um movimento natural”, diz o realizador. “Eu modernizei o texto, mantive nos anos 70 porque queria esse distanciamento, pra poder olhar mais de perto para as relações de poder entre as pessoas”. Segundo Ozon, a traição que existe na atual versão é algo que a arte proporciona como inspiração. E não há nada de mal nisso.
Não há, de fato. Vamos fazendo inúmeras releituras à medida que caminhamos. Percebemos, inclusive, que em alguns campos não andamos muito. Uma das falas do filme ilustra bem isso: “Precisamos uns dos outros, mas as pessoas não sabem viver juntas.” Pois é, relacionamentos humanos continuam gerando frustração, alternância de poder e sentimento de posse, desamor. PETER VON KANT é esse diretor que se apaixona por um jovem aspirante a ator, mantém a amizade com Sodonie (Isabelle Adjani), uma atriz que vive envolta pela ilusão do glamour, mantém a filha longe porque ela não pertence ao seu mundo e sofre por amor.
Sofre a ponto de chorar. Ozon, também de GRAÇAS A DEUS, O AMANTE DUPLO, FRANTZ, DENTRO DA CASA, AMOR EM 5 TEMPOS, faz questão de mostrar esse personagem masculino se debulhando em lágrimas, quebrando o paradigma da insensibilidade do homem. Bom isso, mesmo porque outro tema recorrente em Ozon é a sexualidade – ou ela é protagonista, ou não faz parte da temática propriamente dita. Aqui, o que está sendo visto e revisto é o amor entre duas pessoas, independente do sexo. Arrojado – pensando que o texto foi escrito nos anos 1970.
E pra fechar as cortinas desse drama pessoal e particular da manipulação nos relacionamentos, faltou falar de Karl, o funcionário de Peter, que não dá um pio no filme todo, é tratado feito capacho, tudo ouve e tudo vê, e dá o recado no final de que não há glamour ou fama que compensem a humilhação.
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