OS BANSHEES DE INISHERIN – THE BANSHEES OF INISHERIN

Opinião
Não é comédia como se anuncia, mas tem um humor sutil que se mistura com uma elegante ironia do que somos. OS BANSHEES DE INISHERIN é drama profundo, pincelado com este humor que não produz risadas, mas aquele sorriso de quem vai se envolvendo com uma dinâmica bem simples entre ex-amigos, que parece infantil à primeira vista, mas que esbarra e depois invade o mundo dos adultos sem pedir licença. É como se fosse um tapa com luva de pelica, uma alegoria da solidão que escolhemos produzir. No mundo do absurdo, quem consegue escapar é rei.
Pádriac (Collin Farrell) e Colm (Brendan Gleeson) são amigos desde sempre. Moram na ilha fictícia de Inisherin, na Irlanda, se encontram todos os dias pra beber e jogar conversa fora, até que Colm confessa que a amizade acabou. Ele quer fazer algo de interessante do tempo que lhe resta e acha que Pádriac só fala bobagens. Quer fazer música e, para isso, precisa romper a relação.
Diante da insistência de Pádriac, que não entende a atitude do amigo, Colm faz uma grave ameaça: diz que decepará os dedos caso o tolo do seu ex-amigo tente fazer contato de novo.
O que a gente vai ver é uma progressão da narrativa a partir de uma premissa bem simplória. Os gestos, as respostas espirituosas, as causas e consequências vão delineando os valores distorcidos, a valorização das pessoas erradas e a solidão dos moradores da ilha, que percebem a guerra civil acontecer no continente, mas que o isolamento da ilha oportunamente os poupa de enxergar a realidade. Colm cansou do amigo que era considerado tonto (seu burrico representa isso), mas o acha interessante quando é confrontado com a razão. Os absurdos tragicômicos sinalizam a nossa loucura normatizada de todo dia, em que a fantasmagórica “morte” encontra abrigo como uma “banshee”, um espirito feminino do folclore irlandês que perambula anunciando o fim da vida.
Mas quem consegue enxergar tudo isso ou escapa, ou sucumbe. Siobhán (Kerry Condon) é a voz letrada e culta, que vê a loucura e se refugia nos livros pra se salvar; Dominic é considerado o bobo da corte, é inconveniente, mas provocador quando sua falta de filtro produz uma linda cena de declaração de amor. Diretor também de Três Anúncios para um Crime, Martin McDonagh propõe uma reflexão universal — e de novo investe num título nada vendedor, nos desafiando também no lugar comum.
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