HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS

Cartaz do filme HISTÓRIAS QUE SÓ EXISTEM QUANDO LEMBRADAS

Opinião

Tive a mesma sensação quando assisti ao documentário O Mineiro e o Queijo, de Helvécio Ratton. Era como se ele resgatasse uma memória afetiva antiga, importante e absolutamente viva da minha história: a vivência do interior. Ao assistir Histórias que Só Existem Quando Lembradas, veio de novo o sentimento de identidade e cumplicidade com um estilo de vida simples da vida interiorana, aqui aguçado por um fator importante e determinante: a passagem do tempo. Junto com o sabor e o aroma revividos no documentário, revisitei minha infância e juventude sentindo na pele a delícia que é a prosa, o tempo que custa a passar, o som do silêncio e histórias que certamente existem e sempre serão lembradas.

É um comentário bastante pessoal, eu sei. E isso depende muito da história pessoal de cada um, como cada um sente a presença absolutamente marcante de Madalena, uma senhora que faz todos os dias a mesma coisa: amassa e assa o pão, segue pelo trilho do trem até a mercearia, arruma o pão na prateleira, faz os mesmos comentários, encontra as mesmas pessoas, reza na porta do cemitério para o marido morto e lhe escreve cartas contando o quanto o ama. O tempo parou nesta pequena Jotuomba, no Vale do Paraíba, onde a cineasta Julia Murat, filha da também cineasta Lúcia Murat, de Uma Longa Viagem, consegue contar uma história simples, singela e absolutamente profunda. Me espanta, inclusive, tamanha sensibilidade e percepção, além da sutileza na construção dos personagens neste seu primeiro longa.

O que rompe a rotina e monotonia da vida de Madalena e dos outros habitantes do vilarejo – aqueles que restaram depois que todos os outros morreram ou foram embora – é a chegada da jovem fotógrafa Rita, que faz o caminho oposto: vem do barulho, da modernidade, da juventude que inventa, muda, transgride, para um lugar onde o tempo parou. E essa é a grande beleza do filme: o encontro entre o novo e o velho, entre o som alto da música e o do mato, entre o rosto jovem e as rugas, entre a sabedoria e o questionamento, entre a realidade e o registro, entre a desconfiança e a curiosidade, entre o respeito e a admiração, entre a vida e a morte. O encontro entre Rita e Madalena é capaz de abrir portas internas e externas, o que vai dar ao filme uma beleza fotográfica e emocional realmente muito tocantes.

Histórias que Só Existem Quando Lembradas já passou pelos festivais de Veneza, Toronto e San Sebastian, recebeu 27 prêmios e agora presenteia o público brasileiro com essa lembrança do tempo que parou. Digo novamente: pode parecer parado e monótono aos olhos de quem quer ação; mas não aos olhos de quem quer atitude. Se você teve o privilégio de se sentar na soleira de uma casa antiga, típica da zona rural cafeeira ou das pequenas vilas espalhadas Brasil afora, tomar um café passado na hora no coador de pano, comer um pão fresco assado no fogão de lenha e prosear, sem ver ou temer a passagem do tempo, vai entender o que eu estou falando. Se esse não é o seu caso, aproveite. É uma nova experiência.

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