DOENTE DE MIM MESMA – SICK OF MYSELF
Opinião
O título original, em norueguês, seria traduzido como “menina doente” — o que fica aquém do sentido mais profundo do filme. DOENTE DE MIM MESMA é um exemplo de adaptação de título bem sucedida, inclusive em que a emenda sai melhor que o soneto e dá a dimensão desta tragicomédia perversa e doentia, literalmente.
Com a pegada naturalista e intimista do cinema norueguês, o diretor Kristoffer Borgli quer causar constrangimento e incômodo nos personagens, assim como no espectador. É como se precisasse colocar Signe, a jovem que adoece propositalmente para chamar a atenção das pessoas, no extremo do absurdo e da deformação de caráter pra sinalizar o ponto em que chegamos: já não nos basta a satisfação própria pra nada; é preciso a aprovação dos outros para viver. Saúde mental batendo na nossa porta de novo. Ou melhor, a falta dela.
Redes sociais, mídia, relacionamentos abusivos. Tudo gira em torno de ser notado, ser aprovado e, eventualmente, cancelado depois de um tempo. Um ciclo vicioso que adoece a alma. Claro que o corpo é metáfora dessa deformidade. O velho ditado perverso “falem mal, mas falem de mim” é prova de que perdemos a noção do ridículo.
Tudo isso pra dizer que Signe e Thomas moram juntos e competem em tudo. Ele é artista plástico e se sobressai com seus trabalhos. Ela fica com inveja, sente-se menosprezada e preterida, e bola um plano: descobre um remédio russo que causa manchas e deformidades na pele. Encomenda, se entope e vai virando uma aberração. Tem um quê de A SUBSTÂNCIA na fissura pela aceitação; tem um quê de O HOMEM DOS SONHOS, filme anterior de Borgli, com Nicolas Cage, que choca pela efeito da exposição nas redes sociais.
DOENTE DE MIM MESMA também remete ao fato de Signe estar farta dela mesma. Jovens em crise, incapazes de lidar com desafios e frustrações, fazem de tudo pra serem vistos, pertencerem. Ao mesmo tempo que repugnante, tem um retrato profundo dos tempos narcisistas, em que ser violento com outro ou consigo mesmo é alternativa pra se safar de si mesmo. Nem que seja tudo ilusão.
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