CONCLAVE

Opinião
CONCLAVE vem do latim e quer dizer “com chave”. Faz sentido. O evento que escolhe o substituto da cadeira de São Pedro quando o papa morre é sigiloso. Os cardeais ficam reclusos, sem contato com o mundo exterior até que a votação que acontece na Capela Sistina, no Vaticano, tenha eleito o próximo líder da Igreja Católica. E, por cardeais, entenda-se: os homens da cúria pertencentes ao segundo escalão da hierarquia. Acima deles, só o papa mesmo. Não é à toa que eles vestem vermelho — um código que indica a proximidade com o papa, que tem sapatos vermelhos.
Aliás, códigos são a alma de CONCLAVE, que tem como centro o decano Lawrence, magistralmente feito por Ralph Fiennes. Há os códigos na cor do figurino pra cada escalão do clero; na tradição do anel papal, conhecido como “anel do pescador”, único para cada um; na queima dos papéis com os votos que produz fumaça branca, sinalizando positivo, ou fumaça preta, sinalizando negativo (o que também tem suas simbologias, mas isso é outra conversa). Há códigos claros nas reuniões no auditório de cadeiras turquesas da ala progressista dos cardeais, confabulando sobre apoios e lobby; há códigos quando homens expõem suas visões sobre abuso sexual, corrupção, interesse político, jogo de poder. Há códigos quando dizem que é preciso defender causas LGBT, tolerância religiosa. Há códigos quando são barradas reflexões sobre a inclusão das mulheres na alta cúpula da cúria.
Atenção: a partir daqui, tem spoiler. Não quero direcionar o pensamento de quem não viu. Surpreender-se é chave neste filme, até pra perceber como a solução do filme repercute em você.
CONCLAVE é um filme feminista. O universo do evento conclave, fechado a sete chaves, é uma representação dos segredos que rolam soltos em encontros exclusivamente masculinos. Remete à noção de que o-que-é-dito-aqui-morre-aqui. De que tudo é permitido, acordos, passada de pano, troca de favores, cargos e regalias, conluios e traições. Vale tudo, desde que a informação não vaze. Eco com a atualidade. Estamos juntos, nós nos encobrimos uns aos outros. Nos protegemos e fica sempre tudo bem. Afinal, somos autoridades com costas quentes. Mulheres não são autorizadas, claro porque elas pensam diferente (ainda bem!) e isso quebraria toda a construção milenar de lógica de poder.
É claro que a gente pode assistir observando a beleza da cinematografia e dramaturgia do momento “conclave”. Mas é só a camada externa. Seu coração está na Irmã Agnes, que Isabella Rossellini faz magistralmente. Ela tudo vê e tudo ouve. E finalmente bota a boca no trombone pra dizer que é preciso de mudança. Demorou.
CONCLAVE é feminista na sua solução pro conflito, mas só vê quem quer. Sensacional.
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