AOS NOSSOS FILHOS

Opinião
De tão delicado este filme sobre tantos assuntos, ficou difícil eleger um só. A primeira camada é esta da foto: a relação mãe e filha, no choque geracional de padrões, conceitos, escolhas de vida. Vera (Marieta Severo) não lida bem com as escolhas da filha Tânia (Laura Castro, também roteirista e autora da peça em que o filme se baseia), que é casada com Vanessa e quer ter um filho pelo método da reprodução assistida. Não é por falta de afeto que a relação fica suspensa, mas sim pelo excesso de ruídos que se acumularam com o passar dos anos. Típico, né?
O que Vera espera da filha é que ela passe no concurso e se torne juíza. Que fique dentro da zona de conforto desta mãe que diz “fazer a revolução que consegue”. Com padrões de relacionamento, não consegue. Por isso rompe com o marido, termina o casamento de quase 50 anos, mas não chega a romper com o passado.
Do passado, sabemos que Vera ficou presa na ditadura e carrega essa ferida aberta com todos os seus pesadelos la dentro. O alento, onde deposita sua energia e economias, é na sua ONG que acolhe crianças soropositivas em uma comunidade do Rio. Ali, lida com dificuldades óbvias desse cenário, dividindo-se entre os cuidados às crianças e os tiroteios que volta e meia acontecem e põem todos em perigo.
Com todos dos perigos eminentes da falta de comunicação, das rupturas involuntárias, das balas perdidas, dos sonhos atropelados por baratas, das liberdades tolhidas, AOS NOSSOS FILHOS tem várias camadas humanas.
Pensando bem, sinto que é essa a delicadeza do filme: trazer as camadas pra condição da complexidade humana. Sem julgamento. É o que somos, tudo ao mesmo tempo. Dóceis e cruéis; pró-ativos e atados; silenciosos e barulhentos. Um pouco de ordem nas caixas da vida ajuda. É mais ou menos isso que AOS NOSSOS FILHOS diz pra mim.
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