ANORA
Opinião
ANORA não é sobre sexo, nem sobre a objetificação da mulher pura e simples. Não é sobre as profissionais do sexo, nem sobre a máfia russa. Muito menos uma história de amor. Tudo isso está na história de Sean Baker, diretor americano que arrebatou a Palma de Ouro em Cannes em 2024, mas como escolhas para compor uma história que discute as noções de força e poder.
Anora é prostituta e dançarina de um clube de striptease. É uma profissional e Baker não faz julgamento de valor. A atriz Mickey Madison faz uma Anora segura, dona de si, é uma mulher digna. Irretocável — tanto na construção da personagem, quanto na capacidade de distanciá-la ao máximo da noção da atividade marginalizada. Um dia, a sorte de Anora muda quando Vanya, um jovem russo abobalhado e estranho, vira seu cliente assíduo. Acha graça e brinca de ser seu namorado, até que rola pedido de casamento. O que Vanya (Mark Eidelshtein, também irretocável) quer farra e o tom dessa brincadeira de muito sexo, drogas e bebidas convence Anora rapidinho de que ela está com a vida ganha.
O que ela fica sabendo depois é que seu sogro é um oligarca russo que, por sua vez, fica sabendo depois que seu filho inconsequente casou-se com uma garota de programa. Pra anular o casamento, manda seus capangas que serão protagonistas de cenas tragicômicas que beiram o absurdo. Sequências divertidas acompanham o processo de dissolução de uma transação puramente comercial, em que uma das partes não tem mais seus interesses atendidos pelo acordo do casamento.
Há quem diga que ANORA é uma releitura de Uma Linda Mulher — coisa que nem me passou pela cabeça. Mas na constatação de que é impossível dissociar dinheiro e poder como forças propulsoras das relações, Sean Baker provoca a reflexão mostrando que os humanos são complexos, voláteis, manipuláveis, cínicos. E esperançosos. Mesmo o brutamontes pode ter compaixão; mesmo a improvável relação pode produzir ilusão. Assim como em Projeto Flórida, a ficha cai. A (ir)realidade é o que se tem de mais palpável nesta vida. Mas essa complexidade fica para os segundos finais, num desfecho inesperado e avassalador.
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