ALCARRÀS

Cartaz do filme ALCARRÀS

Opinião

Seleção da 46ª MOSTRA SP

Assistido na 72ª Berlinale _2022 | Urso de Ouro

ALCARRÀS é daquelas pérolas que a gente tem que levar junto. E é o segundo longa da diretora espanhola Carla Simón, que já chamou atenção com seu VERÃO 1993 e agora volta com essa narrativa tocante e poderosa. A cena de abertura é essencial: três crianças brincando em um carro antigo, estacionado em um barranco na fazenda da família. Brincar ali dentro nas férias de verão é maravilhoso, até que eles têm que sair porque é justamente naquele lugar onde está o carro estacionado que serão instalados os primeiros painéis solares da fazenda. “Expulsos” do seu lugar lúdico, as crianças vão buscando outros cantos e esconderijos pra brincar. “As crianças se adaptam bem mais rápido do que os adultos”, diz Carla Simón, em entrevista coletiva após a sessão para imprensa na Berlinale. “Diante de tantas mudanças, o filme mostra os conflitos familiares e a dificuldade de os adultos, enraizados naquela terra e acostumados com um tipo de vida, aceitarem as transformações e as perdas.”

Tudo se transforma. Na entrevista, Carla conta que sua família também planta pêssegos em Alcarràs, pequeno povoado espanhol, e por isso se inspirou em escrever um roteiro sobre como as mudanças na agricultura, na política governamental, na lógica dos negócios e na ocupação do solo está mexendo com a vida de muitas famílias na Cataluña. Pra contar essa história de modo intimista e mais realista, Carla optou por contratar um elenco de não-atores, “São pessoas da região que, durante a preparação de elenco foram se conhecendo e, aos poucos, se integrando como família”, conta. “Isso fez com que o filme ficasse muito natural, porque quem atua sente na pele o que os personagens estão passando.” De fato sentimos ora a alegria, ora a tensão presente na narrativa, num crescente que culmina no desfecho arrasador – mas inevitável.

A família Solé aprendeu a cultivar a terra e ali estão depositadas suas memórias afetivas, os casamentos, o nascimento dos filhos, a herança. Quando os donos oficiais da terra decidem trocar as árvores por painéis solares – que dá mais dinheiro e precisa de muito menos cuidados – os alicerces emocionais balançam e a frágil estabilidade sucumbe. ALCARRÀS é sobre vínculo afetivo com a terra, com a origem; sobre uma morte anunciada de um ciclo familiar de convívio, que dolorosamente precisa ser fechado; sobre o fim da agricultura familiar sustentável e sobre união em tempos de crise; sobre o conflito de gerações. É através da adolescente Mariona que assistimos ao desenrolar do drama, ela é o nosso olho. “É através dela que percebemos os problemas de relacionamento entre os membros da família, porque é na adolescência que começamos a notar que nossa família não é perfeita, que tem muitas arestas e que nem todo mundo pensa igual”, diz Carla.

E ela tem razão, nem todo mundo pensa igual. ALCARRÀS fala comigo de uma maneira muito particular – e quem tem suas memórias afetivas profundas enraizadas em algum chão específico, sabe a força que isso tem dentro da gente.

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