A SUBSTÂNCIA – the substance

Cartaz do filme A SUBSTÂNCIA – the substance

Opinião

A ideia de que mulheres são violentas consigo mesmas em relação à sua imagem é recorrente — e chega a ser cultural. A ideia de que nunca estão satisfeitas, de que em cada fase da vida surge um gatilho diferente pra gerar infelicidade com o corpo, é real — e chega a ser cruel. Livrar-se disso é um caminho a ser trilhado. Demora, não é do dia pra noite. Mas é um passo fundamental para a libertação dos rótulos que não nos pertencem, mas que tomamos por certos e únicos.

Se você é mulher e se identifica com esta premissa, está alinhada com a diretora e roteirista de A SUBSTÂNCIA, Coralie Fargeat. A ideia do filme nasce da sua experiência pessoal. “Chegando nos 50, percebi que esse mecanismo era um absurdo, que estava sendo ainda mais violenta comigo mesma na lida com a minha imagem e que precisava cuidar do assunto urgente”, disse Coralie Fargeatou em entrevista no Festival de Toronto 2024.

A SUBSTÂNCIA é isso: é um berro impossível de ser ignorado. É claro que há referências a outros filmes; é verdade que o tema é revisitado e que o assunto do padrão de beleza, que representa uma tortura para a mulher, é recorrente. Mas o formato que Coralie escolhe é inédito absolutamente original — não é à toa que ela levou o prêmio de roteiro em Cannes.

Muito mais do que refletir sobre como a sociedade pressiona e tem expectativas em relação à imagem do corpo feminino e ao comportamento da mulher, o filme reflete sobre a violência interna da própria mulher: na autossabotagem, na dificuldade de se aceitar, de se valorizar e de ser autêntica. A pergunta que fica é a seguinte: como foi possível chegar neste ponto de tamanha deformidade mental e espiritual? Sim, porque o físico aqui é só o efeito espelho. A SUBSTÂNCIA corre dentro de nós. Tudo funciona de dentro pra fora.

Pra construir a monstruosidade que vemos na tela (e que em vários momentos, preferimos não enxergar, literalmente), Coralie cria Elizabeth Sparkle, uma atriz que fez fama, já não é mais requisitada por causa da idade e se contenta em ter um programa de fitness na televisão à la Jane Fonda. Mas o dia da demissão chega porque a demanda é por uma mulher mais jovem. Elizabeth (Demi Moore), não se conforma, quer de volta seu lugar ao sol e também sua juventude. A substância misteriosa surge como alternativa: injetá-la faria com que ela gerasse uma “versão melhorada dela mesma”, mas teria uma condição: as duas versões não poderiam conviver. Cada uma teria 7 dias de vida: enquanto uma fica inconsciente, a outra ganha uma semana de vida e assim sucessivamente. Acontece que para a jovem Sue (Margareth Qualley) ganha confiança, gosta da brincadeira, sabota sua cara metade mais velha e não cumpre o combinado. Equilíbrio quebrado, o jogo muda. É um caminho sem volta e isso é assustador.

A deformidade física constrói a imagem monstruosa; a violência psicológica deste pensamento constrói mentes doentes em satisfazer os outros. De novo e sempre: os culpados são os outros que fazem exigências e olhar pra nós é o mais trabalhoso e doloroso. Mas é a única saída. Os monstros somos nós, que coabitam e se retroalimentam. A SUBSTÂNCIA é genial e grotesco, visceral e chocante. Imperdível.

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