A VILA PERTO DO PARAÍSO – THE VILLAGE NEXT TO PARADISE
Opinião
Quando se fala em filme africano, a tendência é cair na cilada do “perigo da história única”, como sinalizou Chimamanda Adichie, escritora nigeriana, aplicando o mesmo pra literatura. Adicione a isso o fato de ser da Somália, país no chifre africano, conhecido por seu mar ser um depósito ilegal de lixo, pela pirataria e pela miséria. Esta é a beleza de ter acesso a histórias assim: nos fazem lembrar que este pensamento é reducionista e não nos deixa enxergar além do óbvio — e do mais cômodo.
THE VILLAGE NEXT TO PARADISE é o primeiro filme feito na Somália, por somalis. Filmar neste país é perigosíssimo, mas o produtor do filme, presente na coletiva de imprensa do Festival de Cinema de Sarajevo, disse que conseguiram um lugar relativamente seguro pra filmar, com pessoas locais, inclusive capacitando-as para que possam começar a formar profissionais na área aos poucos. “Paradise” é o nome fictício do vilarejo onde moram um garoto, seu pai e sua tia. Na escola, quase não há professores — mas o garoto quer muito estudar, embora seja preciso aprender primeiro como se proteger de um ataque de drone; trabalho, também não há — mas o pai se vira fazendo bicos, mesmo que precise fechar o olhos pra ilegalidade; e pra mulheres sem marido, as perspectivas são sombrias — mas a tia é firme, quebra paradigmas e não se rende.
Sobre afeto e paternidade, conta a história de pessoas comuns, que valorizam a educação, que buscam alternativas, que cuidam uns dos outros. Claro que é um filme que fala de política, porque não tem como ela não afetar a vida do cidadão comum. Mas não é sobre isso. O pano de fundo é montado com todas as problemáticas, inclusive do colonialismo. Exibido no Festival de Cannes na categoria Un Certain Regard, desmonta a tese míope de que da África virá sofrimento e guerra.
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