O CONDE – EL CONDE

Opinião
Especial 80º Festival de Veneza
Antes de mais nada, vamos localizar: Pablo Larraín, diretor e roteirista chileno, não dá ponto sem nó quando decide fazer cinebiografias de personalidades históricas. Foi assim com Jackie, sobre Jackie Kennedy, om Spencer, sobre Lady Di; Neruda, sobre o poeta. Agora chegou a vez de Augusto Pinochet, o ditador que depôs Allende do poder em 1973 (portanto, faz 50 anos) e comandou com mãos de ferro a ditadura no Chile.
Só que pra traçar não só o perfil de Pinochet, como também enfatizar seus crimes nas várias esferas possíveis (da financeira à fiscal; da humana à empresarial), Larraín desenha uma fábula que é pura comédia negra — um gênero que trata de assuntos sombrios, como morte e crimes, com humor. E pra fazer disso uma história envolvente, que arrancou muita risada dos jornalistas durante a sessão de imprensa em Veneza, construiu a seguinte narrativa: Pinochet nasceu no século 18, testemunhou a Revolução Francesa e foi vivendo realidades paralelas como vampiro. Obviamente imortal, chegou no século 20 como militar, pronto para fazer história. Agora, cansado de uma vida tão longa, só quer mesmo morrer. Só que pra isso precisa mudar a ordem “natural” da vida vampiresca.
Tudo isso pra dizer que é surrealista, mas suas escolhas são muito pertinentes quando se trata de provocar o riso nervoso em quem assiste a própria história da humanidade. Sem spoilers e com uma narradora poderosa nos conduzindo pelo pensamento deste personagem cínico, O CONDE dialoga com o poder que se perpetua graças às conivências perversas dos poderes e à hipocrisia dos privilegiados.
Em preto e branco, é uma fábula vampiresca genial, vinda de uma mente que teima em nos surpreender com camadas e mais camadas de personagens já revirados do avesso por livros, reportagens e filmes. Aqui, nos surpreende com este recorte humano, podre e universal. Sem perder o humor. Se rimos é porque nos identificamos e fazemos parte de tudo isso.
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