HANNAH ARENDT
Opinião
Em qualquer um dos casos, Hannah Arendt vale seu ingresso: se você já sabe quem é essa pensadora alemã, já tem noção da importância de suas ideias; se não conhece e se interessa minimamente pela história da humanidade e pela maneira com que ela é passada pelos historiadores e filósofos, não perca tempo. Eu não conhecia o trabalho da “pensadora da liberdade”, como era chamada, e fiquei bastante impressionada com sua ousada maneira de pensar as relações entre holocausto, o nazismo e o povo judeu, sendo ela mesma uma refugiada da Segunda Guerra.
Com a ascensão de Hitler na Alemanha em 1933, Hannah foge para a França, onde é presa no campo de concentração pelo governo colaboracionista de Vichy durante a guerra, até conseguir migrar para os Estados Unidos em 1941. Mas isso não passa no filme. O que a diretora Margarethe von Trotta faz é um recorte de um momento específico da vida profissional e pessoal de Hannah, que marca seu legado para sempre.
Já com uma carreira acadêmica sólida e respeitada, Hannah Arendt se candidata a cobrir o julgamento do carrasco nazista Adolf Eichmann em 1963, capturado na América Latina e enviado para julgamento em Jerusalém. Hannah vai à Israel e do seu relato Eichmann em Jerusalém, escrito para a revista The New Yorker, surgem as críticas ferozes ao seu modo de pensar.
Aliás, o “pensar” é a pedra fundamental para Arendt – e aqui é que ela não se fez entender em muitos aspectos. Em sua obra, ela afirma que Eichmann não teria exterminado judeus por vontade própria, que apenas seguia ordens e cumpria a lei de Hitler e que, portanto, era um ser medíocre, incapaz de pensar e tomar a próprias decisões. Ao rotular o nazista, responsável pela arquitetura da chamada Solução Final, de “homem comum”, Hannah causa revolta na comunidade judaica do mundo todo. Ainda mais quando sugere que líderes judeus teriam sido cúmplices dos nazistas.
Não poderia haver hora mais imprópria para publicar tais opiniões. Israel era um país novo, os sobreviventes tratavam de refazer suas vidas, os horrores da guerra eram realidade viva. Nem acho que cabe aqui esse julgamento – deixo isso para filósofos, cada um com seu ponto de vista. O que me interessou profundamente no filme é a construção do pensamento. Sem negar o sofrimento do povo judeu, as barbaridades do holocausto, Hannah Arendt atenta para a necessidade de analisar os fatos friamente e tentar entender por que algumas pessoas são omissas, indiferentes e banais, a ponto de influenciarem definitivamente a história da humanidade como a conhecemos. Segundo Hannah, o exercício que havia feito a partir do julgamento de Eichmann era uma tentativa de compreender esse triste episódio da vida dos judeus, e que isso não era, de forma alguma, a mesma coisa que perdoar. Difícil separação essa, do raciocínio e da dor. Mas genial na ousadia e coragem.
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