MEU PÉ DE LARANJA LIMA
Opinião
A vida é dura para o menino Zezé. É pobre de dinheiro, pobre de pai (que bebe demais e o maltrata), pobre de compreensão. Mas não pobre de espírito, muito menos de imaginação. E é o sonhar acordado que é a tábua de salvação para essa infância sem presente de Natal, sem presença de mãe, com muita surra. Seu amigo imaginário, o pé de laranja lima, ganha vida, o transporta para outro mundo, o leva para longe, onde há mar, amigos, doçura.
Assim foi a infância de José Mauro de Vasconcelos, que a transformou em livro em 1968, um best seller. De lá para cá, sua história já foi adaptada para o cinema e para a televisão, e continua atual. O desafio aqui é mostrar o ponto de vista do garoto endiabrado, que tem um só amigo, seu irmão mais moço, Luís, enquanto todos os outros o hostilizam. E que cria, justamente com pessoas mais velhas (o Portuga, José de Abreu, e seu tio, Emiliano Queiroz), uma relação de amizade e admiração. Teria sido fácil fazer um melodrama, do ponto de vista adulto. Ou até do ponto de vista da criança, que apanha por qualquer motivo. Ao mesmo tempo que o diretor Marcos Bernstein (também roteirista de Central do Brasil, Zuzu Angel, Somos Tão Jovens) mostra o sofrimento de Zezé, traz à tona com muita beleza a criatividade do menino, sua vivacidade, companheirismo e bom coração.
Se deu para Zezé fechar as feridas dessa infância, isso não sei. Fato é que vira escritor (na pele de Caco Ciocler), registra sua experiência em livro e deixa claro que o que o salva de uma vida adulta amarga é justamente a capacidade de sonhar e imaginar. Portanto, a esperança. Nos olhos do menino Zezé, isso ficava claro. Era só dar chance, que vinha na mente uma boa história, um bom papo, algo novo para criar. Ou aprontar. Que também, tudo bem. Era menino, afinal de contas.
Misturando realidade e fantasia, Meu Pé de Laranja Lima tem um tom melancólico, um ritmo mais lento. Vai gostar quem realmente gosta do cinema brasileiro, fora das comédias que temos visto por aí. Embora tenha o menino como protagonista, não é exatamente um filme infantil – até pelas cenas em que o garoto apanha dos pais e irmãos. Mas dá para ser visto por crianças maiores, que inclusive podem exercitar o gosto pelo cinema nacional.
Especiais os filmes que têm o dom de mostrar o que passa na mente de uma criança. Algumas produções são marcantes por isso e valem ser vistas. Diria ainda mais: especiais os diretores que conseguem se colocar no lugar das crianças. Que foram crianças um dia, eu sei, mas são lembranças longínquas, sensações muitas vezes apagadas e caladas no fundo da alma. Trazer à tona pelo cinema e para o cinema, e transportá-las para a realidade de outra criança é o que torna essas obras delicadas e profundas.
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