Por Suzana Vidigal, de Veneza
No Festival de Cinema de Veneza, são vários. Parece que aumenta a cada ano. A polêmica em torno da produção de longas metragens pelas empresas de streaming faz tremer aqueles que temem que o cinema morra. Algo como o pavor que as editora têm diante dos livros digitais.
Cinema não morre. Livro impresso não morre. Mas os tempos são outros e ainda bem que o gigantes do mundo digital também gostam da telona e apostam nessa linguagem que é, afinal de contas, universal. E ainda bem que somos capazes de nos adaptar aos novos tempos. Teve uma época em que atores e diretores que faziam séries de televisão eram só de TV. Gente badalada do cinema não se misturava – uma certa hierarquia. De repente, começou a migração: bons atores garimpados nas séries eram convidados a fazer cinema e, pouco a pouco as séries começaram a contar com grandes cineastas a dirigir na televisão. A era digital colaborou – já tínhamos acesso aos canais chamados “fechados”, ainda parte daqueles pacotes da televisão a cabo (que a gente assinava e não assistia a quase nada).
Tudo isso pra dizer que a Netflix chegou, entrou na nossa casa e mudou a cara do entretenimento. A pergunta que sempre se faz, quando fala-se de um filme, é se tem na Netflix. Virou tipo gillette, band-aid, chiclete, xerox (embora xerox a nova geração nem saiba mais o que é…). Ela está na mesma prateleira da Warner, Paramount, Sony, Disney-Pixar, ou qualquer outro grande estúdio que venha à mente. É um player igual, senão mais poderoso, se considerarmos o canal de distribuição mundial, B-to-C. Gente esperta, a galera digital. Criou a oportunidade de produzir também e vende muito bem.
Aqui no Festival de Veneza, os filmes produzidos pela Netflix concorrendo a Leão de Ouro são: The Ballad of Buster Scruggs (dos irmãos americano Joel & Etahn Coen); Roma (do mexicano Alfonso Cuarón); 22 July (do inglês Paul GreenGrass). Fora de concurso, Sulla Mia Pelle (do italiano Alessio Cremonini). Sem falar da HBO que adaptou o romance da italiana Elena Ferrante em série de televisão, A Amiga Genial, e da Amazon que produziu Peterloo (do inglês Mike Leigh), também em competição. Portanto, está tudo dominado – no bom sentido.
O que não dá mais é ouvir jornalista perguntar ao diretor o que ele acha de ter a Netflix como parceira. Óbvia resposta. Se alguém acredita no projeto e investe no filme, é recebido de portas abertas – e, como disse Alfonso Cuarón, diretor de Roma na coletiva de imprensa em Veneza, “todos sabem da dificuldade de distribuir um filme falado em espanho, em preto e branco. Não precisar pensar na distribuição é maravilhoso”. Bingo. Cada um faz o seu trabalho e todos nós agradecemos. Vale dizer que Roma é fortíssimo candidato ao Leão de Ouro em 2018. Já imaginou? Sinal de que os festivais também se movimentam e isso é sensacional. Até os amantes dos clássicos têm que dar o braço a torcer – a Netflix restaurou o clássico O Outro Lado do Vento, de Orson Welles, exibido aqui também. Portanto, assunto encerrado.
Comentários