O VENDEDOR DE PASSADOS

Cartaz do filme O VENDEDOR DE PASSADOS
Roteiro:
Ano de lançamento:
País:
Gênero:
Estado de espírito:
Duração:

Opinião

O Vendedor de Passados começa bem – considerando inclusive o trailer. É instigante, sugere que haverá um mistério interessante na figura da enigmática personagem de Alinne Moraes e prende a atenção. O que acontece com o filme depois que a trama se desenrola, você é que vai julgar. Não vou ser estraga-prazer. Mas ficou uma pontinha de…

Seja lá o que for, ficou uma pontinha. E isso tem lá seu lado bom. Por mais que se tenha uma expectativa xis de um filme e ela não se realize, pelo menos essa “pontinha” sugere algo a mais. O Vendedor de Passados, baseado na obra literária homônima do angolano José Eduardo Agualusa, tem, logo de saída, uma boa proposta: Vicente, vivido por Lázaro Ramos (também em Sorria, Você Está Sendo Filmado) é um sujeito habilidoso e criativo, um verdadeiro contador de histórias. Seus clientes são pessoas que querem mudar seu passado. Ele recebe o briefing e inventa uma nova trajetória passada para aquela pessoa, manipulando fotos e vídeos. Tudo sob controle até que surge a misteriosa Clara (Alinne Moraes, também em Tim Maia, Heleno). Ela também quer um passado novo, mas faz um pedido inusitado: precisa ser uma história em que ela cometeu um crime.

Sem saber absolutamente nada da moça, Vicente trabalha para criar uma história com antecedentes, parentes, viagens, fotografias da infância e tudo mais o que permeia e recheia a nossa memória. Segundo Lázaro na entrevista coletiva, ele mesmo é um sujeito apegado a peças antigas. “Eu tenho uma relação com a passagem do tempo muito grande, ainda reclamo da reforma do Maracanã. Ainda tenho coleção de moeda e selo e a aproximação afetuosa com objetos antigos eu busquei em mim mesmo”, alega. Essa parte parece ter sido fácil, criar o que é palpável. “O difícil foi criar um passado que não se vê no filme, aquele que fica em suspense, que o espectador não conhece e nem nós conhecemos sobre Clara”, diz o diretor Lula Buarque de Hollanda.

E é desse passado que surge a relação entre Vicente e Clara. Do passado invisível, “aquele que não está no filme, que alimenta os olhares, os movimentos. Para um filme que brinca com gêneros e tem valor simbólico muito forte”, revela Lula. “Cada imagem documental traz uma sensação e pode trazer ao público outros sentimentos. O passado é aberto, o presente é aberto. O público pode construir como quiser.” E é desse passado que ficou aquela pontinha… de curiosidade? Ou frustração?

Fiquei curiosa para ler a obra do escritor angolano. Do jeito que falaram na entrevista, deve ser interessante do ponto de vista da criação de passados em Angola, após a guerra civil, naquela caos social. Fico imaginando a quantidade de gente que queria ser outra pessoa. E esse é o tema que mais me interessou no filme, depois que o assunto veio à tona na entrevista. Quando falamos de mudança de identidade, penso logo nessa nova era em que vivemos, em que é possível criar um perfil falso e ser quem você não é; em que as pessoas se expões a torto e a direito nas redes socias – também para parecer ser e ter o que não são, nem têm (como se isso importasse…); em que as pessoas mergulham sem parar em procedimentos e cirurgias plásticas, tão infelizes que estão com seus corpos e mentes; em que a crise de identidade é geral.

Agora, o que mais me choca: ainda tem gente que vê um ator negro na mesa da coletiva de imprensa e pergunta como foi, pra ele, fazer o papel, como ele se preparou; ainda tem jornalista que vai entrevistar um ator que fez papel homossexual e ainda pergunta o que ele fez para se encarar o personagem. Ter um negro no elenco ou um homossexual no roteiro não quer dizer que esse é o tema do filme! Caramba! Será que ainda não passamos dessa fase. Isso também foi dito em Cannes por  Emmanuelle Bercot, diretora do filme de abertura, quando lhe perguntaram como ela se sentia em ser mulher e ter seu filme escolhido para abrir o festival. O olhar dela diz tudo. “O fato de ele ter sido escolhido não tem nada a ver com o fato de eu ser mulher.”

Ponto.

Trailers

Comentários